Atriz e arte-educadora, a travesti Xan Marçall, 33 anos, diz que o pilar de um de seus ofícios é o exercício da tolerância. A compreensão de tentar lidar de forma flexível com as diferenças, segundo Xan, “por triste ironia”, é algo que não lhe foi oferecido, nesta sexta-feira (28), durante a Sessão Especial Onde o Orgulho Começou: 50 anos da Revolta de Stonewall e a Luta e Resistência dos Movimentos LGBTQI+ em Salvador, no Plenário Cosme de Farias, na Câmara Municipal da capital.
Durante o evento público, de iniciativa do vereador Marcos Mendes (Psol), que reuniu militantes e homenageou personalidades LGBTQIA+, Xan precisou ir ao banheiro. Entrou no feminino, como faz sempre, em qualquer lugar, há cinco anos – desde que se assumiu enquanto travesti. Passados três minutos, foi abordada por uma mulher, uniformizada, que lhe pediu que se retirasse dali. A justificativa da senhora, segundo afirmou Xan ao Me Salte CORREIO, foi a última coisa que esperava ouvir no local: “Porque você é homem”.
“Eu tenho toda tolerância do mundo, sei que é um processo de conhecimento, de desconstrução, mas fico muito triste, me sinto constrangida de passar por isso, ironicamente, na noite de hoje, onde tantos de nós estamos aqui como homenageados”, lamentou Xan que integra o Coletivo das Liliths, que também foi homenageado durante a sessão especial.
A negativa da mulher, a quem a travesti acredita ter sido dada a missão de lhe abordar, por um segurança, decidiu sair do banheiro.
Retornou ao plenário e contou o que tinha acabado de passar à psicóloga Ariane Senna, uma das homenageadas da noite. Mulher trans, Ariane afirmou que, imediatamente, retornou ao banheiro, onde encontrou um segurança. Segundo ela, o homem reafirmou que ali não era um local “apropriado para homens”.
“Disse que ele não podia ter feito aquilo, porque nós somos, sim, duas mulheres e que o nosso banheiro é o feminino, ali, ou em qualquer outro lugar. Disse que, infelizmente, naquele momento eu não poderia dar a ele uma aula sobre gênero e diversidade. Como resposta, ele me disse que ‘até Léo Kret’ (ex-vereadora, única transsexual que já foi vereadora da casa ) no banheiro masculino, o que sei que é mentira”, lamentou Ariane, que disse ter conseguido entrar no local, após permissão do mesmo homem.
Durante a abertura da sessão, o vereador Marcos Mendes se referiu à situação como algo “absurdo”. “Xan foi impedida de adentrar no banheiro feminino e eu quero que isso fique registrado. É absurdo que algo assim aconteça em uma casa que se diz a casa do povo”, se limitou a dizer, no púlpito.
Por meio da assessoria, a Câmara dos Vereadores de Salvador afirmou que houve um “mal entendido” quando Xan abordou uma “funcionária da copa e lhe perguntou onde ficava o banheiro e, então, ela lhe direcionou ao masculino”. A casa negou, ainda, que um segurança ou policial tenha impedido a travesti de entrar no banheiro.
Por último, negou que o local seja um cenário de intolerância e usou a ex-vereadora Léo Kret como “exemplo de que a casa é aberta a todos e todas, com respeito às diferenças e legalidades, pelas referências que teve e tem”.