Quem teve o diagnóstico confirmado para a covid-19 e passou pelos 14 dias de isolamento pode até se sentir mais seguro, porém precisa manter os cuidados. Mais de 70 casos de reinfecção – quando a mesma pessoa é infectada mais de uma vez por um vírus – são investigados na Bahia. Para que a reinfecção ocorra, é preciso que a identidade genética do vírus apresente diferença em relação à primeira e a segunda contaminações. Segundo a Vigilância Epidemiológica Estadual, 77 casos suspeitos são analisados em 44 municípios baianos. A concentração está na faixa etária de 20 a 49 anos (71,42%). Do total, 43 suspeitos (58,11%) são profissionais de saúde. Para a conclusão das análises, é necessário, justamente, a finalização do sequenciamento genético do vírus detectado nos pacientes, segundo informou a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab).
Já a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) diz que investiga mais de 40 casos possíveis de reinfecção na capital. “Dos 77 casos suspeitos de reinfecção divulgados pela Secretaria Estadual de Saúde nesta terça-feira (ontem) duas ocorrências foram identificadas em Salvador. O CIEVS – Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde de Salvador também investiga outros 42 casos de reinfecção pelo novo coronavírus notificados na capital baiana”, diz a nota enviada pela pasta. O primeiro caso confirmado de reinfecção no país foi divulgado no dia 10 pelo Ministério da Saúde e ocorreu com uma profissional de saúde de 37 anos, residente em Natal, Rio Grande do Norte.
“Para que uma reinfecção seja confirmada, é preciso ter material da primeira infecção e da segunda em quantidade suficiente para se isolar o vírus que é sequenciado, que é um detalhamento da sequência do gene do vírus, para saber se ele é exatamente igual ou se tem uma pequena variação. É comum mesmo em vírus que não sofrem grandes mutações haver essa pequena variação que serve como uma pista de que houve um outro indivíduo, outro vírus, que não foi exatamente o que causou a primeira infecção”, explica Viviane Boaventura, médica imunologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz – Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia) e da Rede CoVid; além de professora adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Um outro critério utilizado pelos estudiosos é um espaço de tempo grande entre o primeiro e o segundo diagnóstico no paciente.
Os casos de reinfecção ainda são novidade para os profissionais e ainda não existe um motivo determinado que levaria uma pessoa a passar pela doença duas vezes. “Está ainda tudo em investigação e existem algumas pistas, como sintomas leves na primeira infecção. Outra hipótese é que podem haver indivíduos mais suscetíveis a ter uma resposta melhor ao virus que outros; além da intensidade da exposição ao vírus que pode influenciar no tipo de resposta”, diz Viviane
Mudanças
Apesar de o mapeamento genético ser um critério de confirmação da infecção, ele não representa uma mutação que leve o sistema imunológico do paciente a desconhecer completamente o vírus. “A hipótese de que a mutação seja tanta a ponto do sistema imunológico não identificar não é algo que acreditamos que seja o problema. As variações identificadas são muito leves e não justificariam uma mudança ou uma incapacidade de resposta do sistema imunológico”,explica a pesquisadora
Em razão das mudanças serem sutis é que também se considera o espaço de tempo entre as infecções. “Muitas vezes a suspeita de reinfeção acontece mas o paciente não é um caso de reinfecção, é o próprio vírus que ainda tem resquícios que não foram eliminados”, explica Viviane.
Segundo os médicos e pesquisadores, no entanto, não existe um tempo determinado como mínimo que precisa ser usado como critério. “Se a pessoas apresenta o PCR positivo novamente depois de 4, 5, 6 meses, é mais possível se considerar uma reinfecção”,diz a infectologista Clarissa Ramos, do Hospital CardioPulmonar
É justamente por conta do critério temporal que nem mesmo os médicos sabem determinar o que aconteceu no caso da funcionária pública Taiana Leal. “Alguns médicos dizem que foi reinfecção e outros que foi apenas o vírus que resistiu no meu corpo por mais tempo que o normal”, conta ela.
Taiana testou positivo pela primeira vez em agosto. “Eu não estava sentindo nada, mas ia passar por um procedimento cirúrgico e o médico pediu que eu fizesse o PCR, que pra minha surpresa veio positivo”, conta.
Taiana fez o tratamento em casa, tomando medicamentos prescritos pelos médicos e cumprindo o isolamento total de 14 dias. “Uns 15 dias depois que esse período passou eu tava almoçando e de repente perdi o olfato e paladar. Como são sintomas muito clássicos da covid fui logo para o médico”, explica
Feito o segundo exame, novamente o resultado positivo. A principal diferença foi justamente o período de recuperação. “Dessa vez tive todos os sintomas. Os médicos não afirmam se foi uma reinfecção ou se o vírus ficou no meu corpo por mais tempo do que os 14 dias e aí minha imunidade baixou e ele voltou com tudo’, conta a paciente. Um caso de reinfecção sem intervalo grande entre os diagnósticos, no entanto, ainda não foi registrado, segundo os especialistas.
“Confirmar uma reinfecção com 100% de certeza é muito difícil justamente por conta dos testes genéticos com amostras inclusive da primeira infecção. Por isso, do ponto de vista prático, quando se tem uma pessoa com um espaço de alguns meses entre os quadros e exames positivos aí se considera como reinfecção.”, explica Clarissa Ramos.
“A quantidade de infecções confirmadas deve ser muito menor do que realmente existe porque se precisa atender uma série de questões para confirmar. Se tem muitos casos suspeitos, mas a confirmação só acontece com toda uma documentação em mãos”, completa Viviane Boaventura.
Outro detalhe que leva a necessidade de um espaço de tempo maior entre os diagnósticos diz respeito à resposta imunológica do paciente. “Se a pessoa acabou de passar pela doença, é esperado que, pelo menos por um tempo, o sistema imunológico responda de uma maneira forte, por isso não se tem nenhuma reinfecção registrada em um curto período de tempo. Os casos de reinfecção ocorrem muito mais por uma queda da imunidade do que por uma diferenciação genética mais importante no vírus. Como a imunidade específica contra a covid vai se reduzindo com o tempo a pessoa acaba ficando mais suscetível”, explica a médica.
*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro Jornal Atarde