Venda de peixes cai 50% após surto de doença misteriosa


Pescadores e vendedores de peixe em Salvador estão tendo que convencer seus clientes de que a misteriosa doença, que pode estar relacionada com o consumo de pescados, não tem origem na capital. Apesar dos mais de 60 quilômetros de distância da região de Guarajuba, onde pode ter começado o problema, os comerciantes de Salvador estão convivendo de perto com as consequências dele e estimam queda de pelo menos 50% nas vendas.

Ontem, com a notícia de que o número de pessoas afetadas subiu de 18 para 22, segundo balanço da Sesab, comerciantes passaram a temer prejuízos ainda maiores, especialmente na última semana do ano, quando as vendas crescem.

No Mercado do Peixe, em Água de Meninos, queixa de esvaziamento da clientela (Foto: Almiro Lopes/CORREIO)

“Ninguém está entrando aqui com medo. Tenho dois dias que, para não dizer que não vendi nada, vendi um quilo de Lula. Mas a gente tem cheque para pagar, tem nossas dívidas”, lamenta o peixeiro Manuel Santos, que há 49 anos trabalha no setor e atualmente tem uma barraca no Mercado do Peixe, em Água de Meninos.

Lá, os comerciantes têm explicado para os clientes a origem dos peixes, que chegam de grandes redes atacadistas em caminhões com frigoríficos, principalmente de Santa Catarina, Ceará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. “O cliente que é bem informado continua vindo comprar, mas as vendas realmente deram uma encolhida”, opina Raimundo dos Santos, que vende temperos e produtos para moqueca.

Queda
O presidente da Colônia Z1, Marcos Souza, o Branco, que acompanha 11 núcleos de pescadores de São Joaquim à Boca do Rio, pondera que o surto agravou um problema já existente. “Há muitos fatores, como a crise financeira. Estávamos tendo uma queda de 30% das vendas, mas agora, com essa patologia, já é mais de 50% de prejuízo. Está muito difícil vender”, estima.

O presidente da Colônia de Pescadores de Itapuã, Arivaldo Santana, reforça a estatística. “Em uma época ruim a gente vende de sexta para sábado 100 quilos de peixe, mas estávamos com uma vendagem boa antes disso, de 150, 200 quilos no final de semana. Quando chegou no sábado passado, tivemos um baque, nem 50 quilos vendemos”, exemplifica Arivaldo.

Branco e Arivaldo alertam os consumidores e atribuem o problema à falta de cuidados no manejo e na conservação, ou até mesmo à má fé de vendedores informais que oferecem peixes de consumo duvidoso como sendo iguarias famosas. “Não sou nenhum cientista, mas a experiência que a gente tem é que são peixes de águas profundas, no caso de olho de boi, ou de pedra, como o badejo, e que não seriam contaminados facilmente assim”, afirma Branco.

O setor também  se sente prejudicado por boatos na internet. “Nenhum especialista disse que não se podia comer peixe”, retruca Arivaldo. Na mesma linha, o peixeiro Roque Santana, que tem 30 anos de profissão e atua em Água de Meninos, cobra cautela na hora de definir as causas da doença. “O peixe por si só dificilmente cria problemas, lembro uma época que ficaram dizendo em plena Semana Santa que não era para comer peixe por causa de uma maré vermelha e quando foram ver, não tinha problema nenhum com o peixe”, afirma.

Fiscalização
Em Guarajuba, o relato é de turistas temerosos. Os pescadores cobram, inclusive através de um Boletim de Ocorrência na Polícia Civil, maior fiscalização para pessoas que vendem à beira-mar peixes em baldes. “A venda de peixe caiu, digamos que 60%, mas nem tanto em relação ao consumo nos bares e restaurantes, que estão sendo prejudicados mais ainda. Nas peixarias, clientes ainda compram por saber da procedência”, relata Raimundo da Cruz, presidente da Colônia de Guarajuba de Monte Gordo.

Apesar dos argumentos, os profissionais compreendem o medo dos clientes. A enfermeira Milena Alves Passos, 31 anos, por exemplo, costumava comer peixe pelo menos duas vezes na semana, especialmente pela paixão por comida japonesa. “Pelo o que a gente vê na mídia e por ter colegas de trabalho que tiveram essa doença eu, por enquanto, tenho evitado comer, por medo mesmo”.

Colaborou a repórter Juliana Montanha