O eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff pode ter impacto direto no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Executivos que atuam no segmento de baixa renda acreditam que a possível chegada de um novo governo pode resultar no congelamento de parte da iniciativa, que já entregou 2,6 milhões de residências desde 2009.
Alguns agentes estão considerando reter investimentos até que haja uma sinalização clara sobre a continuidade do Minha Casa. O risco mais elevado gira em torno do segmento que beneficia a população de renda mais baixa: a faixa 1. Os executivos consultados pelo Broadcast (serviço de notícias em tempo real da Agência Estado), que preferiram não se identificar, afirmam que, no caso de mudança de governo, é quase certo que o ano de 2016 não contará com o início de novas obras.
A preocupação maior, no entanto, é que o segmento seja paralisado “por tempo indeterminado”, após a conclusão dos empreendimentos que já foram contratados. A faixa 1 do programa é aquela com maior carga de subsídios e, por isso, um eventual esforço de ajuste fiscal pode resultar em corte desses “gastos”. “Faixa 1 é risco total, porque é muito oneroso para o governo.
Se tiver uma troca de governo, deve ser o primeiro do programa a ter orçamento cortado”, diz uma fonte. “Mas esperamos que seja retomado quando o governo tiver mais capital, pois é justamente na faixa 1 que há grande parte do déficit habitacional no Brasil”, acrescenta. Mesmo se o governo Dilma continuar no poder, e tentar contratar novas obras em 2016, a dúvida do setor é sobre o atingimento de metas.
“Esse governo se acostumou a colocar objetivos que não podem ser atingidos”, aponta outro empresário que também atua em baixa renda, ao lembrar que a faixa 1 sofreu com atrasos de pagamentos às empresas em 2015. Por enquanto, o atual vice-presidente Michel Temer (PMDB), que deve assumir o Planalto no caso de impeachment, afirmou recentemente que vai dar continuidade a programas sociais, como Bolsa Família, Pronatec, Fies e Prouni. Na nova fase do Minha Casa, Minha Vida, estão previstas as contrações de dois milhões de unidades de todas as faixas até 2018: 500 mil unidades na faixa 1, 500 mil na recém-criada faixa 1,5, 800 mil na faixa 2 e outros 200 mil na faixa 3. Para 2016, a expectativa do governo é contratar 110 mil unidades na faixa 1, 120 mil na faixa 1,5, 180 mil na faixa 2 e 70 mil na faixa 3.
O presidente da Câmara Brasileira de Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, defende que, independentemente de quem estiver no poder, é preciso readquirir a credibilidade do governo. Para isso, ele acredita em mecanismos que cessem novos gastos, assim que o limite orçamentário for atingido, o que envolveria restrições em novas obras e concursos públicos, por exemplo. O Minha Casa é um “subproduto” desse processo, principalmente na faixa 1, diz o executivo. Por outro lado, outras faixas do programa, que não pesam tanto no orçamento da União, deveriam ganhar mais espaço. “Estamos com dificuldades fiscais. Em vez de focar na faixa 1, deveríamos concentrar nas faixas 2, 3 e na recém-criada 1,5”, diz. “Tenho certeza que um novo governo entende que esses são os únicos segmentos e talvez o único programa social que funciona hoje. Precisamos de um programa habitacional de baixa renda”, acrescenta.
Apesar de também defenderem maior foco em faixas do programa que se apoiam primordialmente em linhas de financiamento com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS), outros executivos têm relatado insegurança. “Com um novo governo, a presidência da Caixa deve mudar. O que garante que o crédito continuará a ser fornecido? Como eu posso iniciar um empreendimento com insegurança sobre as condições de financiamento?”, questiona outro executivo. As faixas 1,5 e 2 contam com menos subsídios, mas dependem da estatal Caixa Econômica Federal para a oferta de crédito com recurso do Minha Casa.
No caso da faixa 3, o benefício do programa reside somente nos juros mais baixos do crédito com FGTS. Para representantes do setor, as faixas 2 e 3 tiveram papel essencial na redução do déficit habitacional com baixo custo para o Estado. De acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas, a faixa 2 consumiu somente 9% subsídios da União nas obras, enquanto a maior parte dos recursos públicos foi fornecida em forma de financiamento. O segmento também representou 62% das unidades entregues e 53% das contratadas até o final de 2015.
“A faixa 2 não pode parar, nem a faixa 3. São as únicas coisas que estão funcionando na economia hoje. Os segmentos se apoiam no FGTS, que foi pensado justamente para habitação”, alerta uma fonte. O orçamento do programa até 2018, de R$ 210 bilhões, deve ser dividido em R$ 41 bilhões do governo e R$ 39 bilhões em subsídios do FGTS. Além disso, os R$ 130 bilhões restantes devem vir de crédito do FGTS. Já o orçamento atual para 2016 é de R$ 7 bilhões. Para garantir que o programa continue operando, executivos têm entrado em contato com políticos e formadores de opinião da oposição, de acordo com fontes.
Os representantes do setor defendem que o programa seja mantido independentemente do governo.
“A expectativa é de que o governo dê continuidade ao programa habitacional, tendo em vista os benefícios que o programa traz. Seja quem for o governo, nós defendemos a manutenção do Minha Casa”, diz o vice-presidente de habitação popular do Sinduscon-SP, Ronaldo Cury. “Se as pessoas tiverem o mínimo de bom senso e de preocupação com o Brasil, tratarão o programa como política habitacional de Estado e não de governo”, afirma o vice-presidente de habitação econômica no Secovi-SP. “O déficit habitacional só se resolve com política habitacional séria, perene e de longo prazo”, acrescentou.
Por Lucas Hirata | Estadão Conteúdo
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