O Nordeste concentra as cidades mais violentas do País. Com o surgimento de novos polos econômicos nas últimas décadas, a região precisou lidar com uma onda de criminalidade para qual não estava preparada. O resultado é que, hoje, dos 150 municípios com as maiores taxas de homicídio por arma de fogo no Brasil, 107 ficam no Nordeste – dois a cada três. No ranking de capitais, as seis primeiras colocadas também são da região.
Os dados compõem o Mapa da Violência 2016 – Homicídios por Armas de Fogo no Brasil, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), sob coordenação do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz. Eles mostram que, apesar de o crescimento das mortes por arma de fogo ter desacelerado na última década no País, as realidades locais e regionais não seguem um padrão.
Enquanto Rio e São Paulo, por exemplo, conseguiram reduzir os índices de assassinatos após investimentos em segurança, o Nordeste dobrou sua taxa de homicídio de 16,2 para 32,8 entre 2004 e 2014, puxando, ano a ano, os resultados do Brasil para cima. O índice é bem superior ao da segunda colocada, a Região Centro-Oeste, que tem taxa de 26 mortes por 100 mil e registrou aumento de 39,5% no período. Já o Sudeste foi o único a recuar nessa década, 41,4%, e tem 14 homicídios por arma de fogo para cada 100 mil. No País, a média é de 21,2 homicídios por 100 mil habitantes.
Em 2014, o índice médio do Nordeste foi liderado por Alagoas (56,1), Ceará (42,9), Sergipe (41,2) e Rio Grande do Norte (38,9). “Na virada do século, todos eram Estados que apresentavam bons índices”, afirma Jacobo Waiselfisz. “Locais que antes tinham altos índices, como São Paulo, Rio e Pernambuco, passaram a receber recursos, e as taxas caíram.”
Guerra
No Brasil, dois municípios têm taxa superior a 100 homicídios por arma de fogo para cada 100 mil – número equivalente ao de zonas de guerra. São eles: Mata de São João (102,9), na Bahia, e Murici (100,7), em Alagoas, ambos em regiões metropolitanas do Nordeste. Para o cálculo, foram consideradas as cidades com mais de 10 mil habitantes, onde aconteceram 98% dos assassinatos por arma no País, no período de 2012 a 2014.
Das 150 cidades mais violentas, apenas 43 não ficam na região. O Distrito Federal e outros oito Estados não têm nenhum município na lista, incluindo São Paulo, Santa Catarina e Acre. Do Nordeste, apenas o Piauí não aparece. O estudo usa dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).
Segundo Jacobo Waiselfisz, houve uma interiorização dos crimes no Brasil, antes concentrados em grandes capitais. “Surgiram polos industriais, que são atrativos de população e de violência”, diz o sociólogo. Para ele, a “pandemia de violência” não foi acompanhada por incremento no aparato de segurança desses locais.
Já o ranking das capitais, liderado por Fortaleza, no Ceará, tem como base as taxas de 2014. Lá, foram 81,5 homicídios por arma de fogo por 100 mil habitantes. Na sequência, aparecem Maceió (73,7), São Luís (67,1), João Pessoa (60,2), Natal (53) e Aracaju (50,5). Só então, em sétimo lugar, vem Goiânia (48,5), no Centro-Oeste.
Carandiru
De acordo com o levantamento, as armas de fogo mataram 123 pessoas por dia em 2014. Mais do que no Massacre do Carandiru, quando 111 presos foram mortos em São Paulo, em 1992.
Para o sociólogo, apesar de a taxa de homicídio estar praticamente estável desde 2003, após uma política de controle de armas, com avanço de 0,3% ao ano, a quantidade de casos ainda preocupa. “A febre persiste. O indivíduo (Brasil) não morreu, mas continua na UTI.”
‘Aqui todo mundo conhece alguém que já foi assassinado’
A cerca de 60 quilômetros de distância de Salvador, capital da Bahia, e dona de um dos litorais mais bonitos do Brasil, Mata de São João sobrevive da indústria do turismo. Segundo moradores, de tão pacífico o local chegou a ser conhecido como “a cidade dos aposentados”. Nos últimos anos, porém, uma escalada de violência tem atingido o município. “Aqui todo mundo conhece alguém que foi assassinado”, diz o jardineiro Gilton Santos, de 58 anos.
Em 1.º lugar no ranking das mais violentas do País, a cidade tem 102,9 homicídios por arma de fogo para cada 100 mil, segundo o Mapa da Violência 2016. Só em 2014, foram 45 casos. Isso para uma população que não passa de 45 mil pessoas.
“Agora é morte atrás de morte. Só neste ano Foi o ‘Pitbull’, o ‘Geo’, o ‘Guel’, o ‘Fábio’. Tudo assassinado”, conta o motorista Antônio Carlos Cardoso, de 48 anos, “nascido e criado” em Mata de São João. “Conhecido meu, são mais de dez.”
Os moradores afirmam que a maioria das ocorrências está relacionada ao tráfico de drogas e as vítimas são, geralmente, jovens entre 15 e 25 anos. “Começou de uns cinco anos para cá. Antes a gente não via isso de jeito nenhum”, diz Cardoso.
A Secretaria da Segurança Pública da Bahia questiona o ranking e diz que investe nas polícias. Segundo a pasta, a cidade tem predomínio de vegetação fechada e, por isso, serve “como ponto de “desova” de corpos, elevando os índices registrados”. Também diz que os dados da secretaria apontam redução nos últimos anos.
Felipe Resk