Para discutir sobre a vinda do aterro sanitário para Simões Filho pela empresa Naturalle, ocorreu uma Reunião Extraordinária do Conselho Gestor da APA Joanes-Ipitanga, no último dia 19 de abril, em Lauro de Freitas, onde estiveram presentes representantes das comunidades diretamente atingidas de Terra Mirim, Dandá, Pitanga de Palmares, Oiteiro, Fazenda do Natal e Palmares, além do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), a empresa Naturalle, a Embasa, Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da Bahia (Sepromi) e outros.
Na oportunidade, alguns pontos que estavam às escondidas foram expostos e posicionamentos afirmados. Desde 22 de dezembro do ano passado as águas do Rio Itamboatá (afluente do rio Joanes, responsável por cerca de 30% do abastecimento da RMS) em Simões Filho, e todo ecossistema do entorno estão sob ameaça da implantação de um aterro sanitário, chamado pela empresa Naturalle de “Empreendimento central de tratamento e valorização de resíduos”.
Desde esta data em que a licença foi dada pela Prefeitura de Simões Filho em âmbito municipal, os líderes e órgãos públicos se sentiram provocados para agirem a esse respeito, como também a população começo a se mobilizar através do Movimento Nossas Águas, Nossa Terra, Nossa Gente, criado então com essa finalidade.
A tentativa de implantação do “aterro” está sendo acolhida como situação de conflito envolvendo comunidades tradicionais pela Sepromi e Comissão Estadual de sustentabilidade de povos tradicionais, sendo mais um dos 98 casos atuais existentes na Bahia. De acordo com Ana Placidino, da Coordenação de Políticas para as Comunidades Tradicionais, “a situação é preocupante, os quilombolas de Simões Filho estão enfrentando diversos casos ao mesmo tempo e a situação se configura como mais um exemplo de Racismo Ambiental no Território Metropolitano de Salvador”, disse ela
A APA está localizada na Região Metropolitana de Salvador (RMS), abrangendo os municípios de Camaçari, Simões Filho, Lauro de Freitas, São Francisco do Conde, Candeias, São Sebastião do Passé, Salvador e Dias D’Ávila com uma área total de 64.463 ha.
Logo no início da reunião foi destacado o trabalho da Fundação Terra Mirim, atuante há 25 anos, no Vale do Itamboatá, responsável por mapear não apenas os corpos hídricos da micro bacia, mas também de realizar um cuidadoso diagnóstico socioambiental e construir, juntamente com as comunidades do Vale, uma agenda socioambiental para a região através de projetos financiados pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente.
Este trabalho, contextualizando os conflitos, aspectos socioeconômicos e identitários, que perpassa pelas comunidades de Terra Mirim, Oiteiro, Santa Rosa, Convel, Palmares, Quilombos do Dandá e Pitanga de Palmares, é parte de uma longa e reconhecida trajetória selada pelo reconhecimento internacional da FTM enquanto posto avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Durante a reunião, a Naturalle através de seus representantes sustentou-se no discurso de que não estão fazendo um lixão e sim um aterro sanitário. No entanto, conforme colocado pelas instituições ambientalistas, a natureza não ficará imune aos impactos nada neutros do empreendimento que pretende transformar em Depósito de LIXO cerca de 60 hectares de Mata Atlântica, parte de um raro Corredor Ecológico da RMS.
Os moradores e representantes comunitários mostraram-se alertas, conscientes e não dispostos a desistir de derrubar a implantação do Lixão, uma vez que 95% do lixo terá como destinação final o Aterro e apenas 5% direcionado para a “reciclagem”. Vale salientar que parte do abastecimento de água da região metropolitana está intimamente relacionado com a dinâmica desta bacia, portanto, toda a Bahia e planeta (em instâncias ampliadas) serão afetados e precisam se mobilizar.
Thais Amara de Terra Mirim lembrou que nos estudos de apresentação do projeto feitos pela empresa, diversos dados foram omitidos e as comunidades foram, simplesmente desconsideradas. “A participação da população aqui não é só importante, como também confere legalidade/legitimidade ao empreendimento. Nascentes também foram apagadas do mapa apresentado”, relatou ela. Amara também enfatizou a proposta de reciclagem e compostagem desenhada no mapa de submeter apenas 5% das quase 500 toneladas diárias de lixo.
Contradições
Segundo os participantes do evento, durante a apresentação, a empresa disse que pretende oferecer 154 empregos diretos e 450 indiretos, mas em seu projeto consideram um número máximo de apenas 30 trabalhadores permanentes. Também durante as falas o empresario comentou sobre a intenção de proteger as comunidades e os recursos hídricos, entretanto as comunidades não estavam sequer citadas no planejamento apresentado.
As características maiores da bacia é que está localizada em zona urbano-rural, próxima às cidades, situadas na Área de Proteção Ambiental Joanes Ipitanga e é um ambiente com muitas reservas particulares, que formam um verdadeiro corredor ecológico que protege um dos últimos remanescentes florestais da RMS, uma fauna riquíssima e endêmica, além das últimas fontes, rios e riachos de água pura.
De acordo com DahVII de Terra Mirim, o próprio projeto cita muitas vezes em seu texto que tem Grande Potencial Poluidor, no entanto, está sendo considerado como de “médio impacto”,o que parece incoerente e inconstitucional. “Por que está sendo considerado de médio impacto e não de grande impacto?”, questionou ela.
Outra incoerência constatada por DahVII é que a empresa havia dito que os rios que abrangem a região não eram contribuintes do rio Itamboatá (rio que nasce e liga as comunidades do Vale do Itamboatá), o que não procede. “Pegamos o mapeamento da microbacia do rio Itamboatá e vimos que se tratam de afluentes do rio, sim”, afirmou.
Crise Hídrica
A crise hídrica por qual a Bahia está passando foi lembrada durante a reunião. Uma dessas informações às escuras é que a Embasa tomou como medida de “salvamento da crise” a perfuração de poços artesianos no Aquifero de São Sebastião para bombear água para o Rio e Represa Joanes para abastecimento da RMS, conta DahVII. “Este poços estão sendo perfurados nesta região do Vale, próximo à comunidade quilombola Pitanga de Palmares, que não foi devidamente comunicada e tudo está sendo feito com urgência e sem licença ambiental. Ou seja, a medida, longe de ser eco-consciente-sustentável (como eles cobram que sejamos) compromete drasticamente o equilíbrio do meio ambiente local e busca apenas remediar a situação de “crise hidrica” no fim do tubo e não lidando com as suas causas, disse ela.
Marcos Elder, cacique Tupinambá, destacou que a implantação do lixão contribui ainda mais como essa crise, junto com os tantos outros desserviços já implantados por outras empresas na região. Neste movimento da crise vendida a água está tornando-se cada vez mais cara e privatizada e a população refém das associações maliciosas do governo e empresas que prestam serviços públicos.
Sobre isso, Binho, da comunidade quilombola de Pitanga de Palmares declarou que não consegue entender o fato da região metropolitana estar passando por uma crise hídrica e empresas como Limpec já estarem executando serviços de resíduos em um município rico hidricamente colocando em risco a bacia. “O que nos mantém vivo é água e não lixo; Não se entra nas comunidades dessa forma. As comunidades precisam ser respeitadas, ali tem casas de padres que também precisam ser respeitadas. Peço ao INEMA, Sepromi e INCRA, que nos ajudem a suspender essa aberração”, desabafa.
Ciclos
Ellder, da comunidade Tupinambá, lembrou que a região tem muita chuva durante todo o ano, “como vai ficar a situação de todo o lixão com água?”. Ele resgatou uma fala dos representantes da Naturalle que dizia que o solo do lixão será impermeável. Todo o ciclo de água natural será interrompido e as gerações futuras estarão condenadas a colher esses fruto podre, ou melhor, infértil? Respondendo a colocação de Helder, o representante da Naturalle respondeu que “a empresa respeita o meio ambiente, apesar de ser um empreendimento impactante”.
Com posicionamento contrário ao lixão, Piasala, em nome da Sepromi, rechaçou a atitude da empresa de sequer considerar as comunidades tradicionais do local. “Acreditamos que essa terra é sagrada, o que a gente come, onde a gente se banha e onde despejamos nossas águas, tudo isso é sagrado e não está em nenhum desses anais. O conceito racismo ambiental se encaixa perfeitamente”, finalizou.
A comunidade do entorno do vale mostrou que já sabe que quando as grandes empresas escolhem a região para fazer construções, não medem esforços para criar dinâmicas de persuasão e convencimento. “Foi o que ocorreu há alguns anos quando Paulo Souto chegou na região com a proposta de que iria implantar uma fábrica de sapatos, hoje o que se tem lá é um presídio e um esgoto a céu aberto”, como contou uma das moradoras de Pitanga de Palmares.