O manganês é um metal pesado, com potencial tóxico, usado na produção de ligas metálicas e pilhas. A siderúrgica da Vale fica no bairro de Cotegipe. Uma das famílias afetadas é a da trabalhadora rural Edilma Cardoso, que teve todos os cinco filhos contaminados pelo metal comprovados com exames de sangue.
“Eu tenho um filho que tem problema neurológico, toma remédios há três anos. Tenho uma filha pequena que teve pneumonia durante três meses, não curava. Passava 15 dias em casa, 15 dias no hospital. Eu e a minha [filha] mais velha também sofremos. Só o que está na barriga que ainda não sofreu. Todos os meus filhos foram testados. [O resultado deu] Altíssimo manganês, tanto no sangue quanto no cabelo”, conta ela.
Por meio de nota, no entanto, a Vale negou que tenham sido diagnosticados casos de doenças neurológicas ou respiratórias no local. Já os moradores relatam que sequer foram procurados pela empresa para conversar sobre os danos causados pela emissão de pó de manganês.
O Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) faz pesquisa no local há pelo menos 10 anos. Todos os testes já apontaram que a exposição e inalação do manganês é a causa dos problemas de saúde da população de Cotegipe.
Esses testes também apontam que os moradores têm níveis elevados dessa contaminação no sangue. Um desses casos é o da professora Gilmara Araújo, que tem um filho que faz tratamento respiratório há 17 anos.
“Ele tem a taxa de manganês muito grande no sangue. Aí tem que estar sempre fazendo exames para tomar medicação e se tratar”, disse Gilmara.
O professor da Ufba José Antônio Menezes, que faz parte da pesquisa, explica como o manganês prejudica as atividades do cérebro.
“Até em outras condições também, quando se tem um aporte maior que o necessário, isso termina se depositando no cérebro e pode até ser visualizado por ressonância magnética ou nuclear, que se faz com trabalhadores e soldadores que têm a exposição direta ali com os insumos. E na população, principalmente em crianças que são mais suscetíveis, esse manganês não fica só na região do cérebro, mas também no córtex cerebral, e daí os efeitos são percebidos em outra esfera neurológica, como a questão cognitiva e comportamental”, detalha ele.
Um ex-funcionário da Vale, que prefere não se identificar, conta que passou 20 anos trabalhando em contato direto com o minério. Hoje, ele está aposentado por invalidez, com uma série de problemas de saúde, que acredita terem sido causados pelo excesso de exposição ao metal.
“Eu entrei na empresa bom. Hoje eu sou hipertenso, diabético, que é um negócio… Entendeu? E a doença que entra no pulmão. Esse pó de manganês, ele não prejudica logo, é com o tempo. A pessoa vai chegando com a idade, é aí que vem os sintomas, os problemas de saúde todos. Manganês é perigoso. Perigoso, entendeu? Para toda comunidade aqui. E a Vale sabe disso. A Vale sabe”, disse ele.
A Vale disse, ainda em nota, que fez um estudo epidemiológico com os funcionários entre 2006 e 2013 e não detectou distúrbios de qualquer natureza que possam estar relacionados à intoxicação por manganês.
Acordo com prefeitura
A exploração pela Vale foi permitida com um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre a empresa e a prefeitura de Simões Filho no ano de 2001, com intermediação do Ministério Público da Bahia (MP-BA).
A principal condição para que a indústria se instalasse era de que houvesse contrapartida de benefícios para a comunidade. Além disso, a Vale teve que instalar filtros nas chaminés da siderúrgica, pagar uma verba para recuperação de danos ambientais, fazer testes periódicos com os moradores, entre outras cláusulas.
Segundo a Vale e o MP-BA, o TAC foi cumprido. O TAC previa também que a Vale deveria construir um loteamento, em um terreno doado pela prefeitura de Simões Filho, para os moradores. A empresa ficaria responsável pela instalação do loteamento com toda infraestrutura incluindo saneamento básico.
Uma das casas chegou a ser construída, mas foi demolida logo em seguida. Procurada sobre toda a situação, a prefeitura disse apenas que o TAC não consta nos arquivos da procuradoria jurídica do município, e que vai pedir uma nota ao MP-BA.
Já o MP-BA disse que foi consultado ano passado pela Justiça para extinção do único processo que existia contra a empresa e se manifestou favorável à extinção, porque o TAC foi cumprido. Disse ainda que fatos novos que indiquem danos ao meio ambiente e à população devem ser comunicados formalmente ao MP-BA, para sejam determinadas as providências.
Ainda na mesma nota, a Vale afirmou que, atualmente, a empresa possui quatro estações de medição de material particular nas comunidades próximas à fábrica, com monitoramento semanal, e que os resultados são enviados para o órgão ambiental, sempre com as medições dentro dos parâmetros legais aceitáveis. A Vale não disse qual órgão.
G1
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