Em audiência pública, autoridades e especialistas enfatizam discussão em defesa da ferrovia e do Trem


Com ampla participação de especialistas, a Audiência Pública em defesa do Trem, realizada na quinta-feira (14), no plenário da Câmara, levantou um debate propositivo sobre a importância da manutenção da ferrovia e do transporte ferroviário no trecho compreendido que abrange as cidades da Região Metropolitana de Salvador (RMS) interligadas com os demais municípios do interior da Bahia enquanto fator de desenvolvimento regional e urbano, em contraponto ao projeto de um novo modal de transporte público apresentado pelo Governo do Estado. A audiência foi proposta e conduzida pelo vereador Manoel Carteiro (PSB).

Na mesa principal no plenário do Legislativo, autoridades, lideranças, membros da esfera pública, representantes de associações e sociedade civil organizada, entre eles, o presidente da Câmara, Orlando de Amadeu (PSDB), o Movimento Trem de Ferro, presidido por Gilson Vieira, o Arquiteto, Urbanista e Especialista em Transporte, Dr. Alberto Querino, o Doutor em Engenharia de Transporte e Professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBa), Juan Pedro Delgado, o Arquiteto, Urbanista e presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento Bahia (IAT-BA), Carl von Hauenschild, o presidente da Associação de Líderes Ferroviários Bahia e Sergipe, Rafael Vasconcelos, o presidente da União de Bairros de Salvador (Unibairros), Joceval, o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL), o secretário de Mobilidade Urbana (Semob), Jackson Bonfim, Sr. Raimundo Batista, conhecido como ‘Birro’, se juntaram em defesa do Trem como meio de transporte mais eficiente.

O movimento traz contrapontos à implantação do monotrilho – modal que deve substituir o Trem em torno dos municípios da RMS e demais cidades baianas vizinhas, viabilizada por meio de uma parceria público-privada do governo baiano com uma empresa chinesa.

Em favor do Trem, representantes das cidades de Simões Filho, Salvador e demais municípios que participaram do debate público destacaram o baixo impacto ambiental, o reduzido custo operacional e a importância histórica do Trem no transporte de carga e de passageiros.

O presidente do Movimento Trem de Ferro, Gilson Vieira, reforçou a defesa pela reativação do Trem regional de passageiros. “O nosso objetivo é pela manutenção do Trem. Esta é uma luta de 33 anos no resgate do Trem regional de passageiros, mas o governo do Estado continua insistindo em VLT – Veículo Leve sobre Trilhos, só que esse VLT não nos interessa. O que não podemos permitir é retirar os trilhos e colocar um modal mais caro na cidade, de menor durabilidade, menor capacidade, e ainda, usa pneu, que é poluente. A gente está permitindo um equívoco grave e um prejuízo irreparável. Temos que preservar o nosso patrimônio público. Não é admissível arrancar trilhos. Existe no governo federal um plano de resgate de transporte metropolitano sobre Trem e a Bahia está andando na contramão. Existem comissões em defesa do Trem, não é saudosismo, mas o Trem é um transporte do passado, do presente e do futuro que precisamos preservar”, defendeu Gilson.

De acordo com o Arquiteto, Urbanista e Especialista em Transporte, Dr. Alberto Querino, o Trem sempre teve uma ligação com o desenvolvimento regional no transporte de cargas e de passageiros, mas o especialista não esconde a preocupação com a eliminação do modal. “Precisamos sim de outras tecnologias para o desenvolvimento regional e local, mas jamais negar um desenvolvimento de ambiente estrutural materializado através dos trens regionais. Fala-se da implantação do VLT para beneficiar a população, a preocupação é a retirada das ferrovias em substituição ao monotrilho, pois existem leis que salvaguardam os trilhos. Os três não podem ser eliminados em hipótese alguma. É preciso que a gente se sensibilize com esta causa. Pensar no transporte por Trem é tão importante como os demais. Abaixo esse modelo neolliberal e que o Trem volte para os trilhos”, defendeu.

Em sua explanação, o Doutor em Engenharia de Transporte e Professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBa), Juan Pedro Delgado, abordou quatro pontos em defesa do Trem, tais como, a dimensão metropolitana; o planejamento de um meio de transporte de alta capacidade para a Região Metropolitana; os aspectos da integração operacional e a comparação das tecnologias BRT, VLT, Trem e monotrilho em relação a custo-benefício e a questão de intervenção urbana de integração dos modais com a cidade. “O que justifica a permanência do Trem é sua envergadura e sua importância metropolitana como um sistema rápido e confortável. Estamos pensando apenas no projeto, mas não estamos pensando na Metrópole”, argumentou.

Durante sua exposição, o Arquiteto, Urbanista e presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento Bahia (IAT-BA), Carl von Hauenschild, disse que o projeto do Estado em torno do VLT gera um impacto regional muito grave. “O Estado da Bahia, Salvador e a Região Metropolitana estão em fase de decadência. A gente precisa de ferrovia, que é uma inovação no século XIX, desenvolvido no século XX, mas continua sendo o sistema de transporte de carga e de passageiros do futuro. Não podemos aceitar a inviabilização do Trem. Seria uma irresponsabilidade do governo, e isso, a gente não pode admitir”, afirmou.

Presidente da União dos Bairros de Salvador (Unibairros), Joceval demonstrou a preocupação com o encaminhamento do projeto de monotrilho apresentado pelo governo do Estado que classifica como “nocivo” a partir de Simões Filho, como ponto de partida. “O governo não fez planejamento, não fez consulta publica, não conversou com os municípios, não disse o que está pensando para o futuro da RMS. O governo está oferecendo uma Colcha de Retalhos, ou seja, um modal de transporte impositivo sem consultar a sociedade e os segmentos organizados”, revelou. O representante popular apelou ao prefeito e aos vereadores das cidades afetadas, principalmente, de Simões Filho, uma decisão política contrária a posição do governo do Estado contra o projeto de monotrilho que o mesmo reiterou como “nocivo” para a Bahia. “Simões Filho, diante de todos os municípios vizinhos, precisa ser o carro-chefe dessa conquista, dessa luta. Precisamos tomar uma decisão política de rejeitar o monotrilho . Nós estamos querendo respostas que o governo não nos dá, não explica. A ferrovia é importante no passado, no presente e vai continuar sendo no futuro. Temos que tomar uma decisão política antagônica à política do governo. O projeto do governo do Estado, a principio, era de VLT e, estranhamente, mudou esse projeto, o que compromete o desenvolvimento regional. Isso não é explicado para a sociedade. A gente precisa não só combater e investigar isso, mas rejeitar esse projeto de monotrilho”, mobilizou.

Presente na discussão, o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL) apontou ausência de debate democrático sobre o tema, uma vez que a situação pode ter um destino trágico ao potencial do Trem como modal de transporte que pode ser completamente desperdiçado. “Existe uma mudança no projeto do modal. O projeto do monotrilho é um projeto que induz as pessoas a acharem que é um modal sobre trilho, não é, é um transporte sobre pneus, ou seja, é um transporte de ônibus com uma certa velocidade e com um certo conforto, mas a rigor, não deveria se chamar monotrilho, deveria ser monorodovia. A retirada dos trilhos significa dizer que para cidades como Simões Filho, o Trem perde praticamente o sentido em troca de um transporte de passageiros, porque se arrancar os trilhos, o projeto de revitalização do Trem não é para nenhuma das cidades da Região Metropolitana, mas sim afunda a possibilidade de se ter a retomada do Trem. Isso é muito grave”, opinou.

Em sua intervenção, o secretário de Mobilidade Urbana (Semob), Jackson Bomfim, considerou o projeto de monotrilho apresentado pelo governo do Estado como um “presente de grego”, e criticou a decisão de proposta do modal pelo Executivo estadual. “O VLT passou a ser monotrilho e o estado não discute integração. O que está em pauta não é o transporte de passageiros, o que está em pauta é atender os interesses de empresários”, criticou.

Ao participar da audiência, o presidente da Câmara, Orlando de Amadeu, relembrou o passado de infância, período em que desfrutou da experiência de andar de Trem, sendo o modal, à época, de maior visibilidade e popularidade. “Eu lembro quando eu era criança, que eu tinha a curiosidade de conhecer o Trem e fazia aquela viagem de Simões Filho até Calçada e voltava. Como é importante ter o trem. Faz falta, realmente, o Trem, porque é uma economicidade para as pessoas. A gente vê a necessidade de que a gente precisa do nosso Trem de volta”, recordou Orlando, ao destacar que a luta do Movimento Trem de Ferro precisa ganhar corpo em defesa do modal.

Na mesma linha do mandatário do Legislativo, Sr. Raimundo Batista, popular ‘Raimundo Birro’, que representa a história viva da cidade, em suas palavras, foi saudosista ao recordar e reviver lembranças da chamada “Maria Fumaça”, um Trem que servia, à época, como transporte de passageiros, mas também, apresentou sua visão em relação ao projeto de um novo modal proposto pelo Governo do Estado. “O pessoal vai ser massacrado com esse projeto, vai ser um rolo compressor e o povo tem que dizer não a esse projeto”, criticou Birro.

Durante a audiência, alguns participantes apontaram equívocos e manifestaram-se contrários ao projeto de monotrilho apresentado pelo governo do Estado, que, segundo eles, pode gerar prejuízos à população e, na oportunidade, ressaltaram a importância da iniciativa da Câmara em mobilizar a população pela defesa do Trem.

Também participaram da audiência pública os vereadores Adailton Caçambeiro (PRP), Elimário Lima (PSDB), o líder do governo, Manoel Almeida “Neco” (PSD), e o presidente da Comissão de Transporte, Jailson ‘Jajai’ (PP).

Para fechar o encontro, o proponente vereador Manoel Carteiro ressaltou que “a ferrovia tem uma participação muito forte no desenvolvimento regional. Como parte do encaminhamento, o parlamentar sugeriu uma conversa entre o prefeito Diógenes Tolentino e representantes do Movimento Trem de Ferro para fortalecer a luta em defesa do Trem diante do projeto de uma possível substituição do modal de transporte proposto pelo Estado.

A discussão serviu como um instrumento do diálogo estabelecido com a sociedade para estabelecer uma estratégia conjunta e integrada de todos os municípios envolvidos com o projeto de revitalização do Trem que visa o resgate da memória ferroviária, além da defesa e conservação do patrimônio público histórico das estações ferroviárias para o melhor encaminhamento no sentido de fazer um contraponto ao projeto de monotrilho apresentado pelo Executivo estadual.