‘Afirmar a negritude não é só denunciar o racismo’, diz músico do grupo IFÁ


A banda lança disco pelo Natural Musical e apresenta uma parte do trabalho inédito no Festival Sangue Novo, sábado

“Afirmar a negritude não é só denunciar o racismo, é falar da grandeza e da diversidade que essa matriz tem”. A fala do baixista da banda IFÁ, Fabrício Mota, 36 anos, ilustra bem a proposta do grupo baiano em seu primeiro álbum, Ijexá Funk Afrobeat, recém-lançado pelo Natura Musical e disponibilizado para download gratuito no site da Natura.

Levantando a bandeira da música instrumental de matriz africana, o grupo, antes chamado de I.F.Á. Afrobeat, bebe na fonte do gênero criado pelo músico e ativista nigeriano Fela Kuti (1938-1997). Mas quem escutar o álbum  ou for conferir o show que o IFÁ apresenta sábado, dentro do Festival Sangue Novo, no Museu Du Ritmo, vai ver que o som tem um tempero a mais.

O IFÁ é formado por Alexandre Espinheira, Juliano Oliveira, Prince Addamo, Átila Santtana, Normando Mendes, Jorge Dubman, Fabricio Mota, Vinicius Freitas e Léo Couto. O figurino é assinado por Goya Lopes
(Foto: Fernando Gomes/Divulgação)

Longe de ser um trabalho de afrobeat clássico, o novo álbum do IFÁ mergulha na sonoridade baiana e traz influências do candomblé, gegê e ijexá, só para citar algumas. Samba-reggae, rock, sintetizadores e elementos da música de blocos-afro também fazem parte do universo sonoro do grupo, que lança oficialmente o trabalho dia 21 de janeiro, com show no Pelourinho.

“Esse diferencial tem a ver com a raiz mesmo, da África. É ancestralidade. Às vezes a coisa incorpora, sabe? É forte. Temos esse dendê, esse tempero que é diferente e a galera sente a energia”, explica o baterista Jorge Dubman, 35.

Para reforçar a proposta, o IFÁ convidou importantes representantes da música instrumental baiana para participar do trabalho que sucede o EP do grupo criado em 2013:  o músico e maestro Letieres Leite, o percussionista Gabi Guedes, os guitarristas Robertinho Barreto ( BaianaSystem), e Junix, além do trompetista Guiga Scott.

Ancestral
Nove músicas inéditas fazem parte do disco Ijexá Funk Afrobeat, gravado no estúdio do Ilê Aiyê e masterizado por Felipe Tichauer. Dessas, oito são autorais e a faixa Quintessência é um presente composto por Letieres Leite, fundador da Orkestra Rumpilezz.

“A gente não tinha como fazer esse disco sem Letieres. A Rumpilezz abriu um espaço muito grande para outros trabalhos como o IFÁ”, destaca Fabrício Mota. “Letieres é um dos caras que primeiro levantou essa bandeira em Salvador e apoiou o IFÁ desde o começo”, completa o guitarrista Átila Santtana, 33, que assina a produção do disco com Jorge Dubman e Fabrício Mota.

Um dos principais representantes da percussão afro- religiosa baiana, com atuação na Orkestra Rumpilezz e no projeto Pradarrum, o percussionista Gabi Guedes destaca que o mais importante no trabalho do IFÁ é a dedicação à percussão ancestral, aos ritmos afro-religiosos que vêm dos terreiros de candomblé.

A capa do disco do IFÁ é assinada por Gian Paolo La Barbera

“Foi muito gratificante, foi uma honra ter participado desse trabalho e mostrado um pouco dessa realidade rítimica que nós desconhecemos – quando digo nós me refiro a 70% dos percussionistas baianos”, sinaliza Gabi Guedes. “Estou agradecido pra caramba em poder focar na nossa originalidade cultural. O IFÁ está abrindo portas”, completa o percussionista.

Ao afirmar com admiração que Gabi Guedes “é o maior fornecedor de conhecimento no campo dos toques afro”, o guitarrista Átila Santtana destaca que todos os convidados do IFÁ são muito influentes na história do grupo.

“Isso é uma grande responsabilidade que a gente assumiu de peito aberto. Foi um processo de aprendizado incrível, de estar em estúdio, congregar ideias e transformar esse conceito afrocentrado em discuros de cunho social mesmo”, comemora Átila, que forma o IFÁ ao lado de Fabrício Mota (baixo), Jorge Dubman (bateria), Vinicius Freitas (sax barítono), Normando Mendes (trompete), Léo Couto (sax tenor), Alexandre Espinheira (percussão), Prince Áddamo (guitarra) e Juliano Oliveira (teclados).

Conexões
Representante da música instrumental baiana, o IFÁ realiza um projeto paralelo chamado Conexões Atlânticas. A proposta é reunir artistas de países africanos e outros conectados pelo Atlântico que sejam herdeiros da música africana. O primeiro passo aconteceu com a cantora nigeriana Okwei Odili, com quem o grupo gravou seu EP de estreia. Outros nomes já surgiram, como o rapper ganês Blitz The Ambassador e o inglês Mikill Pane.

“Isso tem a ver com nosso próprio mergulho de autoconhecimento. A afirmação da negritude ganhou um novo capitulo”, destaca Fabrício. “Valorizamos a busca de identidade, pra gente se reconhecer e talvez se surpreender. Precisamos reconhecer a Diápora como um elemento que é vivo, não como um passado que é estático”, completa.

Correio24horas